Destaque
Por que PT mantém apoio a Maduro enquanto parte da esquerda critica?
O impasse nas eleições venezuelanas tornou-se um teste diplomático para o governo brasileiro, que busca se manter como mediador da situação no país vizinho, conflagrado por protestos após a reeleição declarada de Nicolás Maduro — resultado que oposição e diversas autoridades internacionais contestam.
Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o desafio não é só de se equilibrar entre a cobrança de transparência e a manutenção de diálogo com o governo chavista — que nos últimos dias já expulsou do país representantes de ao menos sete países que contestaram o pleito.
Lula também se equilibra entre a posição adotada pelo Itamaraty — que, desde segunda-feira (29/7), dia seguinte à votação, pede a divulgação dos dados desagregados por mesa de votação — e um PT que, em nota, reconheceu a vitória de Maduro, ao tratá-lo como “presidente agora reeleito”.
Em entrevista na terça-feira, Lula foi questionado sobre a nota do PT, e buscou minimizar as críticas ao partido pela publicação do documento. “O PT reconheceu, a nota do Partido dos Trabalhadores reconhece, elogia o povo venezuelano pelas eleições pacíficas que houve. E ao mesmo tempo ele reconhece que o colégio eleitoral, o tribunal eleitoral já reconheceu o Maduro como vitorioso, mas a oposição ainda não”, disse Lula.
“Então, tem um processo. Não tem nada de grave, não tem nada de assustador. Eu vejo a imprensa brasileira tratando como se fosse a Terceira Guerra Mundial. Não tem nada de anormal. Teve uma eleição, teve uma pessoa que disse que teve 51%, teve uma pessoa que disse que teve 40 e pouco por cento. Um concorda, o outro não. Entra na Justiça e Justiça faz.”
A oposição venezuelana, porém, diz que o Poder Judiciário é dominado por Maduro. Também contesta a noção de que haja uma normalidade no processo político do país, apontando que, ao longo dos anos, o chavismo passou a controlar órgãos como a Suprema Corte e o Conselho Eleitoral.
Além disso, órgãos de direitos humanos, como o da Organização das Nações Unidas (ONU), apontam violações em resposta a protestos no país e prisões arbitrárias de oponentes, além da inabilitação política de muitos deles.
A cautela de Lula ao tratar da questão venezuelana tem diferenciado o mandatário brasileiro de outros líderes de esquerda latino-americanos, como o presidente chileno, Gabriel Boric, e o presidente colombiano, Gustavo Petro, que têm sido mais vocais em seus questionamentos quanto à lisura do processo eleitoral venezuelano.
Referência na esquerda para Lula, o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica disse em fevereiro que na Venezuela “existe um governo autoritário” e que era possível chamar Maduro de ditador.
Mas por que o Partido dos Trabalhadores mantém seu apoio a Maduro, mesmo em um momento em que Lula e seu governo optam por adotar um tom mais cauteloso?
Quão prevalente é essa posição dentro do PT, diante das críticas abertas ao processo eleitoral na Venezuela feitas por parlamentares petistas como o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) e o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), vice-líder do PT na Câmara?
E como foi o processo interno de aprovação da nota divulgada pelo PT?
A BBC News Brasil conversou com o historiador Lincoln Secco, da Universidade de São Paulo (USP), o cientista político Claudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e com membros da Comissão Executiva Nacional do PT — que falaram sob a condição de não terem seus nomes divulgados — para entender essas e outras questões.
A reportagem também entrou em contato com a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que não respondeu ao pedido de entrevista.
A assessoria da presidente do partido também disse à reportagem que “não há o que acrescentar” com relação à nota, quando questionada, por exemplo, sobre por que o PT decidiu, diferentemente do governo, que a divulgação das atas eleitorais não deveriam ser uma condição prévia para o reconhecimento de Maduro.
Já Randolfe Rodrigues e Reginaldo Lopes alegaram problemas de agenda, devido a viagens para participação em convenções partidárias.
Fonte: BBC NEWS