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Resistência aos antibióticos, um problema que se agrava
Em maio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) atualizou a lista de bactérias que mais ameaçam a saúde humana. A relação de patógenos prioritários é um instrumento importante para desenvolver estratégias de enfrentamento à resistência antimicrobiana (RAM), desafio que a ONU considera um dos mais preocupantes da atualidade na saúde global. De acordo com a OMS, a RAM foi diretamente responsável por 1,27 milhões de mortes no mundo em 2019 e contribuiu com 4,95 milhões de mortes.
Ainda, um novo levantamento publicado no periódico TheLancet mostrou que 750 mil mortes ligadas à RAM podem ser evitadas anualmente com vacinas, saneamento básico e métodos de controle de infecções. De acordo com os autores do estudo, se o mundo não der prioridade ao problema agora, haverá um aumento mundial constante no número de mortes de crianças, idosos e pessoas com doenças crônicas ou que precisam de procedimentos cirúrgicos de maior risco.
Além dos impactos na vida das pessoas, a RAM gera consequências para o sistema de saúde como um todo. Segundo estimativas do Banco Mundial, o problema pode resultar em US$ 1 trilhão em custos adicionais para o sistema de saúde até 2050, e em US$ 1 trilhão a US$ 3,4 trilhões em perdas do Produto Interno Bruto por ano até 2030.
Efeito cascata
Os hospitais são um dos principais focos de contaminação por bactérias resistentes. Por isso, quando um paciente em tratamento fica vulnerável dentro deste ambiente, uma infecção bacteriana se torna uma ameaça gravíssima.
Segundo o Dr. Claudio, infecções por superbactérias aumentam o número de internações, prolongam o tempo de hospitalização e exigem mais procedimentos, como drenagens, punções e cirurgias. Além disso, há uma substituição excessiva de antibióticos por combinações de diferentes fármacos, na esperança de encontrar uma solução eficaz para vários pacientes.
“Além dessa cascata que pode levar à morte dos pacientes, também é uma cascata de custos para o serviço de saúde e de aumento da necessidade dos recursos, como leitos hospitalares, UTI, intervenções, entre outros”, disse.
Um estudo [3] feito por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) no Hospital das Clínicas (HCFMUSP), e publicado em 2023 no periódico Clinical Infectious Diseases, teve o objetivo de encontrar soluções para evitar a contaminação em hospitais. De acordo com o Dr. Matias Chiarastelli Salomão, médico infectologista e primeiro autor do artigo, foi possível identificar que os testes positivos para a contaminação por bactérias resistentes geralmente eram de pacientes atendidos no pronto-socorro.
“Existe a questão da realidade de hospitais públicos, onde os pacientes ficam internados por mais de uma semana no pronto-socorro. Além disso, quando pensamos no tratamento, o acesso a medicamentos é muito desigual no mundo. Há medicamentos caríssimos que não estão disponíveis no Brasil”, disse.
No estudo realizado no HCFMUSP, um teste rápido foi aplicado nos pacientes do pronto-socorro. Aqueles que tiveram resultado positivo para superbactéria foram designados a uma área hospitalar específica para esses casos e afastados de outros pacientes. Quando saíam do pronto-socorro e subiam de andar, eram mantidos isolados. Durante o período do estudo, as taxas de contaminação por superbactérias caíram de 4,6% para 1%.
“Depois da intervenção, percebemos que precisávamos mudar a distância entre os leitos, os pontos para higiene de mãos e a subida rápida de pacientes. Foi um trabalho multifatorial, multiprofissional e que não dependeu só do controle da infecção”, disse o Dr. Matias.
Mesmo em hospitais privados, a demanda de pacientes é grande e há a pressão das operadoras de saúde, que vêm declarando prejuízos recordes. De acordo com Jorge Luiz Mello Sampaio, professor de microbiologia clínica na USP, é preciso avaliar se existe uma sobrecarga no sistema de saúde, que recai sobre técnicos e enfermeiros, em relação ao número de pacientes. “Temos evidência de que, nos hospitais onde temos uma melhor adesão aos treinamentos e às boas práticas, com uma proporção melhor entre profissionais de saúde e número de pacientes, as taxas de infecção são muito mais baixas”, disse.
Para ele, o controle das infecções dentro dos hospitais é tão importante quanto o uso moderado de antibióticos. “O ideal é ter as duas ações ao mesmo tempo. Pouco se fala, por exemplo, do controle em relação à higienização das mãos no ambiente hospitalar. Isso é essencial para não termos novos casos dentro do hospital”, afirmou.
Fonte: Medscape