NACIONAL – A fumaça das queimadas tem encoberto cidades pelo país há dias. Mas será que o Brasil tem a cidade mais poluída do mundo nesta segunda-feira (9) por causa disso?
Segundo especialistas ouvidos pelo g1, apesar da poluição das últimas semanas, uma afirmação tão categórica do tipo é muito difícil de ser feita. Aliado a isso, dados de plataformas especializadas mostram o contrário.
Segundo a IQAir, uma empresa suíça de tecnologia de qualidade do ar, nesta segunda, a cidade de São Paulo está oscilando junto com Lahore, no Paquistão, no topo de um ranking que inclui apenas 120 “grandes cidades” ao redor do mundo. Veja abaixo:
– Lahore, Paquistão — IQA = 169
– São Paulo, Brasil — IQA = 160
– Dubai, Emirados Árabes Unidos — IQA = 158
– Addis Abeba, Etiópia — IQA = 154
– Jacarta, Indonésia — IQA = 147
A lista acima da empresa, porém, NÃO contabiliza todas as cidades do planeta, somente um seleto grupo de metrópoles. A título de comparação, atualmente, somente o Brasil tem mais de 5,5 mil municípios.
Em outra plataforma, dessa vez da empresa indiana Purelogic Labs, São Paulo, por exemplo, figura na 29º posição até o começo da tarde desta segunda-feira. Antes do município aparecem cidades como:
– Al Qurayyat (Arábia Saudita),
– Rameswaram (Índia),
– Bam (Irã),
– Lo Miranda (Chile),
– Et Tira (Israel).
A diferença acontece porque as plataformas, que NÃO são mantidas por órgãos oficiais, utilizam diferentes bases de dados.
Aliado a isso, Marco Aurélio de Menezes Franco, professor do departamento de Ciências Atmosféricas da USP, lembra que até mesmo a plataforma Suíça aponta Porto Velho (RO) como o município mais poluído do país nesta segunda-feira, e não São Paulo (SP). Nessa mesma lista, antes de São Paulo, figuram ainda no topo do ranking do Brasil Rio Branco (AC) e Campinas (SP).
Veja abaixo:
– Porto Velho, Rondônia — IQA = 233
– Rio Branco, Acre — IQA = 202
– Campinas, São Paulo — IQA =168
– São Paulo, São Paulo — IQA =158
– Manaus, Amazonas — IQA = 64
– Recife, Pernambuco — IQA = 58
No mundo, outras cidades que não estão no Brasil também apontam no ranking de pior qualidade do ar da IQAir com índices maiores que o de municípios no país.
Veja abaixo:
– Great Falls, Montana (EUA) — IQA = 249
– Kamiah, Idaho (EUA) — IQA = 247
– Burns, Oregon (EUA) — IQA = 236
“Mesmo considerando-o, o mapa mostra São Paulo em vermelho, indicando alta poluição, mas regiões como Rondônia e parte da Bolívia aparecem em roxo, sugerindo poluição ainda maior. Isso parece contraditório”, destaca Fábio Luengo, meteorologista da Climatempo.
Não bastasse essas divergências, Marco Aurélio destaca que a rede de medidas no Brasil é limitada e com uma cobertura deficiente, o que resulta em estimativas e não em dados precisos para todas as cidades do país (entenda mais abaixo).
“Fora isso, como esses valores variam com as condições atmosféricas locais, para determinar se uma cidade é a mais poluída do mundo, seria necessário analisar a média dos índices ao longo de um período de tempo”, explica o professor.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, avalia a qualidade do ar usando um banco de dados que compila medições anuais da concentração de poluentes, como dióxido de nitrogênio (NO2) e partículas de poeira (PM10 e PM2.5).
RELEMBRE: A fumaça das queimadas que tem encoberto cidades do Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul é composta por gases tóxicos, como monóxido de carbono (CO) e material particulado fino (PM2.5), ou seja, partículas minúsculas que são suspensas no ar. Todos esses componentes são altamente prejudiciais à nossa saúde, e podem agravar doenças respiratórias.
Esses dados representam a média das concentrações para uma cidade ou região, e não para estações individuais.
A média das concentrações é calculada para representar a exposição típica em uma cidade. A base de dados da OMS é atualizada a cada 2-3 anos e abrange mais de 7 mil localidades em mais de 120 países.
No entanto, a cobertura não é completa e varia devido a métodos de medição diferentes e disponibilidade de dados.
Apenas 13 estados do país têm estações automáticas
O que dificulta esse cálculo também é o fato de que apenas 13 dos 26 estados do país contam com estações automáticas de qualidade do ar, equipamentos fundamentais para a avaliação da poluição atmosférica, de acordo com um estudo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA).
Segundo a publicação, a maioria das quase 250 estações de monitoramento automático do Brasil está na Região Sudeste, e os seus quatro estados lideram – de longe – o ranking de quantidade de estações.
No topo da lista está o Rio de Janeiro, com 65 estações automáticas de monitoramento, seguido por São Paulo, com 62, Minas Gerais, com 54, e Espírito Santo, com 17.
“O primeiro problema de fazer um ranking de pior qualidade do ar é que as medições são diferentes em cada região. O estado de São Paulo é um dos que apresenta o maior número de estações no país – ainda muito baixo”, pontua Beatriz Klimeck, doutora e mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ.
De acordo com o estudo do IEMA, quando critérios técnicos são levados em conta, mesmo estados com redes mais robustas, como São Paulo e Minas Gerais, apresentam déficit significativo de estações.
Isso acontece porque áreas com maior concentração de poluentes, alta densidade populacional e fontes potenciais de emissões (como o gás carbônico) exigem um monitoramento mais preciso.
“São Paulo é um estado que conta com outras variáveis de poluição ao longo do ano, então há naturalmente uma atenção maior para ele. O ranking produzido pelo site IQAir olha apenas para 120 cidades no mundo, sendo São Paulo uma delas, o que cria um resultado enviezado”, destaca a pesquisadora.
Como a União Europeia e os Estados Unidos têm metodologias diferentes para avaliar esses números, no estudo do IEMA, os pesquisadores também comparam o cenário brasileiro com cada um desses quadros e viram que, considerando o critério americano, Santa Catarina lidera a lista com um déficit de seis estações, seguida por Goiás, Paraíba e Minas Gerais, cada um com três estações a menos do que deveria.
No entanto, quando o critério europeu é adotado, Santa Catarina passa a apresentar um déficit de 15 estações, enquanto Minas Gerais registra um déficit de dez, e São Paulo, de 22.
Conta impossível
Por causa dessa ausência de dados, Klimeck diz que não dá para afirmar qual cidade tem a pior qualidade do ar no mundo.
Ela lembra que a qualidade do ar é uma questão complexa e é calculada de formas variadas por diferentes países e empresas privadas.
“Sem dúvida, diferentes monitores estão reportando má qualidade do ar em todo o país, mas rankings são contraproducentes porque nossa cobertura de medição é terrível”, diz
Para a pesquisadora, a estratégia, no entanto, precisa focar em outro ponto: a necessidade urgente de agir em relação aos cuidados com a qualidade do ar e com a fumaça das queimadas, uma mistura tóxica que, em geral, inclui os seguintes compostos:
– Material particulado (PM2.5): partículas muito pequenas presentes no ar poluído, como o causado pela fumaça das queimadas.
– Monóxido de carbono (CO): gás liberado principalmente pela queima incompleta de materiais como madeira, carvão e combustíveis.
– Compostos Orgânicos Voláteis (COVs): durante uma queimada, os COVs são liberados no ar e podem aumentar o risco de problemas respiratórios e outros problemas de saúde.
– Óxidos de nitrogênio (NOx) e ozônio: conhecidos poluentes atmosféricos. Os óxidos de nitrogênio (NOx) vêm de várias fontes, como vulcões, raios, queimadas, bactérias, além de carros e combustíveis. Já o ozônio se forma quando certos gases, como os de veículos e indústrias, reagem com a luz do sol. Mas queimadas também o liberam.
– Metais pesados: elementos químicos densos que podem ser tóxicos, mesmo em pequenas quantidades. A fumaça pode conter metais pesados como chumbo e mercúrio, que são prejudiciais quando inalados
“A população precisa ser informada de que se trata de uma situação limite de emergência com a seriedade que queimadas são tratadas em partes do mundo mais acostumadas com essa realidade”, pontua.
Recomendações do Ministério da Saúde
O Ministério da Saúde divulgou orientações para evitar a exposição à fumaça intensa causada por queimadas.
Na publicação, a pasta recomenda as seguintes orientações para a população:
– Aumentar a ingestão de água e líquidos ajuda a manter as membranas respiratórias úmidas e, assim, mais protegidas.
– Reduzir ao máximo o tempo de exposição, recomendando-se que se permaneça dentro de casa, em local ventilado, com ar-condicionado ou purificadores de ar.
– As portas e as janelas devem permanecer fechadas durante os horários com elevadas concentrações de partículas, para reduzir a penetração da poluição externa.
– Evitar atividades físicas em horários de elevadas concentrações de poluentes do ar, e entre 12 e 16 horas, quando as concentrações de ozônio são mais elevadas.
– Uso de máscaras do tipo “cirúrgica”, pano, lenços ou bandanas pode reduzir a exposição às partículas grossas, especialmente para populações que residem próximas à fonte de emissão (focos de queimadas) e, portanto, melhoram o desconforto das vias aéreas superiores. Enquanto o uso de máscaras de modelos respiradores tipo N95, PFF2 ou P100 são adequadas para reduzir a inalação de partículas finas por toda a população.
– Crianças menores de 5 anos, idosos maiores de 60 anos e gestantes devem redobrar a atenção para as recomendações descritas acima para a população em geral. Além disso, devem estar atentos a sintomas respiratórios ou outras ocorrências de saúde e buscar atendimento médico o mais rapidamente possível, caso necessitem.
“Para se proteger da fumaça de queimadas e incêndios, deve-se evitar a exposição ao ambiente externo, incluindo atividade física. Recomenda-se utilizar máscara padrão N95, sobretudo nos locais mais próximos à fumaça”, pontua Pedro Genta, pneumologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Fora isso, pessoas com problemas cardíacos, respiratórios, imunológicos, entre outros, também devem, ainda segundo o Ministério da Saúde:
– Buscar atendimento médico para atualizar seu plano de tratamento.
– Manter medicamentos e itens prescritos pelo profissional médico disponíveis para o caso de crises agudas.
– Buscar atendimento médico na ocorrência de sintomas de crises.
– Avaliar a necessidade e segurança de sair temporariamente da área impactada pela sazonalidade das queimadas.